Ela caminhava sem vontade, atraindo os olhares masculinos por onde passava. Embora já estivesse na casa dos “enta”, ainda resguardava um frescor da juventude e seus olhos castanho-amendoados revelavam um lampejo de meninice. Estatura mediana, cabelos cor acaju e corpo bem torneado pelas práticas diárias de atividades físicas.
Não tinha pressa para retornar àquela casa. A obrigação da visita lhe deixava levemente mal-humorada, mas ele fizera questão, praticamente impusera sua presença como condição.
Como estaria a casa? Será que os vasinhos de violeta ainda estariam no parapeito da janela? Gostava muito das violetas, especialmente das brancas, com rebordos levemente rosados. Eram lindas!
Faltava um quarteirão. Desanimava ao imaginar como encontraria a casa que já fora sua: a pia cheia de louça suja, a pilha de jornais se acumulando ao lado da porta, roupas sujas sobre o sofá, sapatos largados desleixadamente no corredor, camadas homéricas de poeira nos móveis, copos sujos esquecidos sobre a mesinha de canto, comida estragada na geladeira deixando aquele cheiro...
Chegou em frente ao portão. Hesitou. Seria tão mais simples resolver tudo com um “sedex”. Por que ela tinha de estar ali?
Tocou a campainha. Droga! O esmalte estava lascado. Precisava comprar outro frasco, já que nem todas as manicures tinham aquele tom de vermelho. Que demora! Tocou novamente. Só depois do terceiro toque que a porta se abriu, revelando uma mulher com fones de ouvido que vinha lhe abrir o portão. “Pode entrar! Sinta-se em casa, ele já está descendo!”
Quando ela atravessou a porta, sentiu o cheiro inconfundível de feijão sendo cozido. Ah! Nenhum jornal na soleira da porta! A sala exalava um leve odor de pinho e no sofá almofadas carmim contrastavam com o forro creme.
Sentou-se. Era confortável! Olha a janela à procura das violetas. Não estavam lá. Certamente teriam morrido. No seu lugar estava um objeto transparente. De vidro? Um peso de papel talvez? Não tinha nenhum atrativo em especial, mas quando a luz incidia sobre ele, fragmentava-se em um arco-íris que coloria todo o parapeito branco.
Barulho na escada. Finalmente ele desceu para vê-la. Acabara de sair do banho, tinha os cabelos grisalhos molhados e um agradável cheiro de sabonete. Ela havia se esquecido de como gostava daquele cheiro!
Desculpe pela demora, Senhora! – disse ele se sentando de frente para ela. “Tsc! Você sabe que eu detesto que me chame assim!” Ele sorriu.
Silêncio.
Ela abriu a bolsa e retirou uma pasta com papéis e uma caneta.
Ele pegou sua mão. “Você tem certeza?” Ela se levantou, soltando a mão bruscamente. “Eu só concordei em vir aqui porque você me disse que colaboraria! Não me diga que mudou de idéia?! Você sabe que temos planos de nos casar o mais rápido possível!”
Ele deu de ombros, sorrindo um sorriso triste. “Eu tinha que tentar pelo menos uma última vez, não é?!” Pegou a caneta e assinou todas as vias dos papéis de divórcio. Ela levara apenas os objetos de uso pessoal, abrindo mão da casa, do carro, dos móveis, dele...
Levantou e lhe entregou os papéis. Ela os conferiu e voltou a guardá-los na bolsa. Deu uma última olhada no ambiente. “Vejo que você arranjou uma substituta!” Ele olhou para a cozinha. “A Joana é uma boa moça! Cozinha muito bem. E pelo menos a diária não é tão cara.” Ah! Diarista...
Silêncio.
Ela caminha lentamente em direção à porta. Ele a abre para que ela saia. “Não quer tomar um café antes de ir?” “Ah! Não, obrigada! Ele está me esperando para o jantar!”
Ao sair pelo portão, ela se vira uma última vez. “Obrigada por assinar!” Ele não sorri dessa vez. “Não precisa agradecer. Seja feliz, Senhora!”
Texto baseado no conto "Apelo" de Dalton Trevisan, para a disciplina de Leituras e Produção Textual.
Não tinha pressa para retornar àquela casa. A obrigação da visita lhe deixava levemente mal-humorada, mas ele fizera questão, praticamente impusera sua presença como condição.
Como estaria a casa? Será que os vasinhos de violeta ainda estariam no parapeito da janela? Gostava muito das violetas, especialmente das brancas, com rebordos levemente rosados. Eram lindas!
Faltava um quarteirão. Desanimava ao imaginar como encontraria a casa que já fora sua: a pia cheia de louça suja, a pilha de jornais se acumulando ao lado da porta, roupas sujas sobre o sofá, sapatos largados desleixadamente no corredor, camadas homéricas de poeira nos móveis, copos sujos esquecidos sobre a mesinha de canto, comida estragada na geladeira deixando aquele cheiro...
Chegou em frente ao portão. Hesitou. Seria tão mais simples resolver tudo com um “sedex”. Por que ela tinha de estar ali?
Tocou a campainha. Droga! O esmalte estava lascado. Precisava comprar outro frasco, já que nem todas as manicures tinham aquele tom de vermelho. Que demora! Tocou novamente. Só depois do terceiro toque que a porta se abriu, revelando uma mulher com fones de ouvido que vinha lhe abrir o portão. “Pode entrar! Sinta-se em casa, ele já está descendo!”
Quando ela atravessou a porta, sentiu o cheiro inconfundível de feijão sendo cozido. Ah! Nenhum jornal na soleira da porta! A sala exalava um leve odor de pinho e no sofá almofadas carmim contrastavam com o forro creme.
Sentou-se. Era confortável! Olha a janela à procura das violetas. Não estavam lá. Certamente teriam morrido. No seu lugar estava um objeto transparente. De vidro? Um peso de papel talvez? Não tinha nenhum atrativo em especial, mas quando a luz incidia sobre ele, fragmentava-se em um arco-íris que coloria todo o parapeito branco.
Barulho na escada. Finalmente ele desceu para vê-la. Acabara de sair do banho, tinha os cabelos grisalhos molhados e um agradável cheiro de sabonete. Ela havia se esquecido de como gostava daquele cheiro!
Desculpe pela demora, Senhora! – disse ele se sentando de frente para ela. “Tsc! Você sabe que eu detesto que me chame assim!” Ele sorriu.
Silêncio.
Ela abriu a bolsa e retirou uma pasta com papéis e uma caneta.
Ele pegou sua mão. “Você tem certeza?” Ela se levantou, soltando a mão bruscamente. “Eu só concordei em vir aqui porque você me disse que colaboraria! Não me diga que mudou de idéia?! Você sabe que temos planos de nos casar o mais rápido possível!”
Ele deu de ombros, sorrindo um sorriso triste. “Eu tinha que tentar pelo menos uma última vez, não é?!” Pegou a caneta e assinou todas as vias dos papéis de divórcio. Ela levara apenas os objetos de uso pessoal, abrindo mão da casa, do carro, dos móveis, dele...
Levantou e lhe entregou os papéis. Ela os conferiu e voltou a guardá-los na bolsa. Deu uma última olhada no ambiente. “Vejo que você arranjou uma substituta!” Ele olhou para a cozinha. “A Joana é uma boa moça! Cozinha muito bem. E pelo menos a diária não é tão cara.” Ah! Diarista...
Silêncio.
Ela caminha lentamente em direção à porta. Ele a abre para que ela saia. “Não quer tomar um café antes de ir?” “Ah! Não, obrigada! Ele está me esperando para o jantar!”
Ao sair pelo portão, ela se vira uma última vez. “Obrigada por assinar!” Ele não sorri dessa vez. “Não precisa agradecer. Seja feliz, Senhora!”
Texto baseado no conto "Apelo" de Dalton Trevisan, para a disciplina de Leituras e Produção Textual.